Roberta Monteiro
Estudo analisa assistência ginecológica prestada a crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual.
Estudo analisa assistência ginecológica prestada a crianças e adolescentes vítimas de abuso sexual.
Profissionais de saúde que cuidam de crianças e adolescentes, cada vez mais, se deparam com menores que sofreram abuso sexual. No entanto, o atendimento ginecológico, em especial às crianças, ainda provoca certa resistência por parte dos ginecologistas sem treinamento na
área. Contribuir para a melhoria desse atendimento e traçar o perfil dos ginecologistas do Estado do Rio de Janeiro frente ao abuso sexual infantojuvenil foram os objetivos da tese de doutorado da médica Carmen Lúcia Athayde, defendida no Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz). O recorte da pesquisa recebeu o prêmio de melhor trabalho completo no 10º Congresso Brasileiro de Obstetrícia e Ginecologia da Infância e Adolescência, ocorrido em dezembro do ano passado.
A autora selecionou 75 ginecologistas infanto-puberais filiados à Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia da Infância e Adolescência (Sogia), no primeiro semestre de 2006. Deste total, 38 médicos aceitaram participar da pesquisa, a maioria (76,3%) do sexo feminino. As entrevistas foram feitas por meio de um questionário sobre o perfil do médico, o tipo de atividade exercida, a formação profissional, temas relacionados ao abuso sexual infanto-juvenil e fatores que influenciam a prática assistencial.
área. Contribuir para a melhoria desse atendimento e traçar o perfil dos ginecologistas do Estado do Rio de Janeiro frente ao abuso sexual infantojuvenil foram os objetivos da tese de doutorado da médica Carmen Lúcia Athayde, defendida no Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz). O recorte da pesquisa recebeu o prêmio de melhor trabalho completo no 10º Congresso Brasileiro de Obstetrícia e Ginecologia da Infância e Adolescência, ocorrido em dezembro do ano passado.
A autora selecionou 75 ginecologistas infanto-puberais filiados à Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia da Infância e Adolescência (Sogia), no primeiro semestre de 2006. Deste total, 38 médicos aceitaram participar da pesquisa, a maioria (76,3%) do sexo feminino. As entrevistas foram feitas por meio de um questionário sobre o perfil do médico, o tipo de atividade exercida, a formação profissional, temas relacionados ao abuso sexual infanto-juvenil e fatores que influenciam a prática assistencial.
Entre os profissionais que aceitaram participar, foi recorrente o relato de que o primeiro contato com a assistência às vítimas de violência sexual ocorreu durante o exercício profissional, o que demonstra uma falta de conhecimento e treinamento durante a educação formal. Em relação ao tipo de assistência prestada, apenas 22,6% disseram atuar no setor de emergência. O percentual dos médicos que trabalhavam em serviço de rotina nas enfermarias foi ainda menor (15,8%). A atividade mais citada foi o atendimento ambulatorial, relatada por 82,1% dos entrevistados.
Segundo Carmen, a atuação de um profissional de saúde que lida com crianças e adolescentes deve se estender para as relações familiares. “No atendimento a vítimas de agressão sexual, o relacionamento do ginecologista com as famílias é fundamental, não só para colher dados relativos aos pacientes, mas também para estabelecer parcerias no intuito de promover os cuidados necessários no tratamento dos agravos e na proteção contra episódios reincidentes”, explica a pesquisadora. Ela destaca, ainda, a importância do médico ser imparcial e evitar o tom
acusatório, embora deva estar atento para a possibilidade de identificar algum membro da família ou próximo como possível agressor.
A clientela infanto-juvenil constitui um segmento específico dentro do atendimento ginecológico, mas nem todos os profissionais que exercem a ginecologia estão habituados com as
características especiais desta população. “Até mesmo o exame físico nestas faixas etárias requer um conhecimento das características próprias às diversas fases do desenvolvimento e isso pode interferir de forma direta na identificação ou não de alguns sinais relativos à violência sexual”,
destaca Carmen.
Entre os ginecologistas participantes da pesquisa, 64,9% daqueles que suspeitaram de abuso sexual infantil referiram sempre solicitar a avaliação de outro profissional, enquanto 52,6% dos que suspeitaram de uma agressão sexual contra adolescentes tiveram igual conduta. Quando o diagnóstico de abuso sexual contra crianças foi constituído como uma certeza, a grande maioria dos entrevistados (78,8%) relatou solicitar os préstimos de outro profissional. Dos ginecologistas que fizeram esse diagnóstico na população juvenil, uma proporção menor (64,5%) teve uma conduta semelhante.
A violência sexual contra crianças e adolescentes é um fenômeno universal: ela não está restrita a nenhum grupo socioeconômico. Por isso, é de extrema importância o papel dos profissionais de saúde e educação na identificação precoce dos menores submetidos a esse tipo de violência e a outros maus-tratos. Alguns sinais e sintomas são claros no diagnóstico do abuso sexual, tais como a presença de gravidez na infância ou adolescência sem história de coito consentido; e a presença de doenças sexualmente transmissíveis, lacerações, hematomas ou outras lesões genitais na ausência de história de trauma acidental que justifique o achado clínico. Mais difíceis de diagnosticar e, talvez, mais comuns são os sinais não específicos, que incluem mudança de comportamento e queda no rendimento escolar, pois o agressor, na grande maioria das vezes, é uma pessoa próxima que procura silenciar o abuso.
Com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na década de 1990, surgiu a possibilidade de articulação entre sociedade e governo na mobilização para proteger menores sob o aspecto legal. No entanto, a realidade é que as notificações, apesar de terem aumentado no decorrer dos anos, não revelam o verdadeiro número de agressões: denunciar uma situação de agressão doméstica ainda não faz parte da cultura brasileira. “Uma maior integração entre as instituições de saúde e as instâncias legais, em especial o Conselho Tutelar, seria muito importante para melhorar a assistência, já que, muitas vezes, não há o retorno das notificações efetuadas e os profissionais de saúde se sentem pouco respaldados e recompensados pelo esforço
no atendimento a estas vítimas”, destaca Carmen.
Para melhorar a assistência prestada a crianças e adolescentes, a pesquisadora sugere a capacitação dos profissionais como medida prioritária, visando não apenas diagnosticar e tratar as repercussões físicas do abuso sexual, mas também abordar e minimizar as sequelas emocionais e sociais que fazem parte desse quadro. “O médico, ao se inserir em uma equipe que lida com a questão da violência, deve experimentar uma mudança de paradigma, na qual sua
ação não se restrinja ao tratamento dos agravos físicos condicionados pela violência. No entanto, isso só é possível quando existe também uma ação eficaz dos órgãos competentes em relação à proteção de crianças e adolescentes”, argumenta.
Atendimento
na Fiocruz
O Instituto Fernandes Figueira (IFF), unidade materno-infantil da Fiocruz, oferece atendimento ginecológico infanto-puberal desde 1994. Segundo a médica responsável por este serviço no IFF, Ana Cristina Paixão, já foram registrados no Instituto cerca de 70 casos de abuso sexual em crianças, contados desde a criação do serviço. O atendimento no IFF ocorre com o apoio de uma equipe multidisciplinar, formada por profissionais de pediatria, psicologia médica e serviço social, entre outros. Esta equipe se reúne quinzenalmente para discutir os casos no Núcleo de Atenção
a Profissionais (NAP), que foi criado para dar suporte aos profissionais que atendem crianças e adolescentes vítimas de violência.
Ana Cristina estudou a relação médico-paciente no contexto do abuso sexual de meninas, pelo olhar de médicos e cuidadoras, visando compreender melhor as dificuldades envolvidas nesse processo. A médica explica que, quando se trata de um atendimento a crianças e adolescentes
vítimas de abuso sexual, o profissional precisa estar preparado para conduzir a consulta com o máximo de objetividade e delicadeza, sem emitir julgamentos.
“A comunicação interpessoal no atendimento médico é fundamental, assim como a capacitação continuada, não só para ginecologistas e pediatras que lidam com esse problema, mas também para todos os médicos que possam, eventualmente, receber casos de violência dentro das emergências e ambulatórios”, esclarece Ana Cristina. “A sistematização do atendimento nas instituições municipais e estaduais de saúde constitui o primeiro grande passo para a melhoria
do atendimento desses casos”.
Segundo Carmen, a atuação de um profissional de saúde que lida com crianças e adolescentes deve se estender para as relações familiares. “No atendimento a vítimas de agressão sexual, o relacionamento do ginecologista com as famílias é fundamental, não só para colher dados relativos aos pacientes, mas também para estabelecer parcerias no intuito de promover os cuidados necessários no tratamento dos agravos e na proteção contra episódios reincidentes”, explica a pesquisadora. Ela destaca, ainda, a importância do médico ser imparcial e evitar o tom
acusatório, embora deva estar atento para a possibilidade de identificar algum membro da família ou próximo como possível agressor.
A clientela infanto-juvenil constitui um segmento específico dentro do atendimento ginecológico, mas nem todos os profissionais que exercem a ginecologia estão habituados com as
características especiais desta população. “Até mesmo o exame físico nestas faixas etárias requer um conhecimento das características próprias às diversas fases do desenvolvimento e isso pode interferir de forma direta na identificação ou não de alguns sinais relativos à violência sexual”,
destaca Carmen.
Entre os ginecologistas participantes da pesquisa, 64,9% daqueles que suspeitaram de abuso sexual infantil referiram sempre solicitar a avaliação de outro profissional, enquanto 52,6% dos que suspeitaram de uma agressão sexual contra adolescentes tiveram igual conduta. Quando o diagnóstico de abuso sexual contra crianças foi constituído como uma certeza, a grande maioria dos entrevistados (78,8%) relatou solicitar os préstimos de outro profissional. Dos ginecologistas que fizeram esse diagnóstico na população juvenil, uma proporção menor (64,5%) teve uma conduta semelhante.
A violência sexual contra crianças e adolescentes é um fenômeno universal: ela não está restrita a nenhum grupo socioeconômico. Por isso, é de extrema importância o papel dos profissionais de saúde e educação na identificação precoce dos menores submetidos a esse tipo de violência e a outros maus-tratos. Alguns sinais e sintomas são claros no diagnóstico do abuso sexual, tais como a presença de gravidez na infância ou adolescência sem história de coito consentido; e a presença de doenças sexualmente transmissíveis, lacerações, hematomas ou outras lesões genitais na ausência de história de trauma acidental que justifique o achado clínico. Mais difíceis de diagnosticar e, talvez, mais comuns são os sinais não específicos, que incluem mudança de comportamento e queda no rendimento escolar, pois o agressor, na grande maioria das vezes, é uma pessoa próxima que procura silenciar o abuso.
Com a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), na década de 1990, surgiu a possibilidade de articulação entre sociedade e governo na mobilização para proteger menores sob o aspecto legal. No entanto, a realidade é que as notificações, apesar de terem aumentado no decorrer dos anos, não revelam o verdadeiro número de agressões: denunciar uma situação de agressão doméstica ainda não faz parte da cultura brasileira. “Uma maior integração entre as instituições de saúde e as instâncias legais, em especial o Conselho Tutelar, seria muito importante para melhorar a assistência, já que, muitas vezes, não há o retorno das notificações efetuadas e os profissionais de saúde se sentem pouco respaldados e recompensados pelo esforço
no atendimento a estas vítimas”, destaca Carmen.
Para melhorar a assistência prestada a crianças e adolescentes, a pesquisadora sugere a capacitação dos profissionais como medida prioritária, visando não apenas diagnosticar e tratar as repercussões físicas do abuso sexual, mas também abordar e minimizar as sequelas emocionais e sociais que fazem parte desse quadro. “O médico, ao se inserir em uma equipe que lida com a questão da violência, deve experimentar uma mudança de paradigma, na qual sua
ação não se restrinja ao tratamento dos agravos físicos condicionados pela violência. No entanto, isso só é possível quando existe também uma ação eficaz dos órgãos competentes em relação à proteção de crianças e adolescentes”, argumenta.
Atendimento
na Fiocruz
O Instituto Fernandes Figueira (IFF), unidade materno-infantil da Fiocruz, oferece atendimento ginecológico infanto-puberal desde 1994. Segundo a médica responsável por este serviço no IFF, Ana Cristina Paixão, já foram registrados no Instituto cerca de 70 casos de abuso sexual em crianças, contados desde a criação do serviço. O atendimento no IFF ocorre com o apoio de uma equipe multidisciplinar, formada por profissionais de pediatria, psicologia médica e serviço social, entre outros. Esta equipe se reúne quinzenalmente para discutir os casos no Núcleo de Atenção
a Profissionais (NAP), que foi criado para dar suporte aos profissionais que atendem crianças e adolescentes vítimas de violência.
Ana Cristina estudou a relação médico-paciente no contexto do abuso sexual de meninas, pelo olhar de médicos e cuidadoras, visando compreender melhor as dificuldades envolvidas nesse processo. A médica explica que, quando se trata de um atendimento a crianças e adolescentes
vítimas de abuso sexual, o profissional precisa estar preparado para conduzir a consulta com o máximo de objetividade e delicadeza, sem emitir julgamentos.
“A comunicação interpessoal no atendimento médico é fundamental, assim como a capacitação continuada, não só para ginecologistas e pediatras que lidam com esse problema, mas também para todos os médicos que possam, eventualmente, receber casos de violência dentro das emergências e ambulatórios”, esclarece Ana Cristina. “A sistematização do atendimento nas instituições municipais e estaduais de saúde constitui o primeiro grande passo para a melhoria
do atendimento desses casos”.
Fonte Revista de Manguinhos / Junho de 2009
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