Para especialista, indústria está "trocando um ingrediente que é duas vezes ruim [trans] por um que é uma vez só"
JULLIANE SILVEIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
Mesmo com menos gordura trans, alimentos industrializados ainda têm altos teores de gorduras saturadas -também danosas à saúde cardiovascular porque aumentam os níveis de LDL (colesterol ruim) no sangue. É o que aponta estudo feito na Unidade de Lípides do InCor e na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP.
O responsável é o óleo de palma, que confere características semelhantes às da gordura trans em alimentos, como textura crocante e maior durabilidade. Ele tem sido usado no Brasil como substituto da trans, após a decisão do Ministério da Saúde de obrigar a indústria a reduzir a quantidade desse tipo de gordura nos produtos. E já é largamente utilizado em outras partes do mundo onde a gordura trans foi banida.
No trabalho, publicado na última edição da "Revista da Associação Médica Brasileira", foram avaliados margarinas, biscoitos doces recheados, biscoitos salgados, batatas fritas e hambúrgueres.
"Esperávamos uma quantidade razoável de gordura saturada no hambúrguer porque ele tem carne. Mas nos surpreendemos muito com os outros produtos, que continham pouca trans, mas muita gordura saturada, que vinha do óleo de palma", afirma Ana Carolina Gagliardi, nutricionista e doutoranda em cardiologia pela Faculdade de Medicina da USP, responsável pelo estudo.
A batata frita e os biscoitos salgados e doces foram os que apresentaram a maior proporção de gorduras saturadas.
De acordo com Jane Show, engenheira de alimentos do Ital (Instituto de Tecnologia de Alimentos) e presidente da Sociedade Brasileira de Ciência e Tecnologia de Alimentos, as empresas têm diminuído os níveis de gordura trans de seus produtos. Em dezembro de 2008, o Ministério da Saúde e a indústria de alimentos definiram que a gordura trans deve ser reduzida até 2010.
"O consumidor não quer mais comprar produtos com trans. As indústrias passaram a usar o óleo de palma, que tem valores altos de gordura saturada. Não se proíbe o uso de gordura saturada, mas tem de estar declarada no rótulo", diz.
"Esquecidas"
Para Gagliardi, as gorduras saturadas ficaram "esquecidas" diante da preocupação com a do tipo trans. "O efeito deletério é similar. Alguns trabalhos dizem que não, mas os que falam bem do óleo de palma foram feitos em animais ou patrocinados por fabricantes. Pesquisas mais sérias apontam riscos parecidos", acrescenta.
Para outros especialistas, a gordura trans, além de aumentar o LDL sanguíneo, também reduz os níveis de HDL (colesterol bom) e, por isso, é mais perigosa do que as saturadas.
"Os produtos ficaram melhores, mas não é por isso que podemos comer à vontade. Deve-se ler o rótulo, saber que ainda são ricos em gorduras. Estão trocando um ingrediente que é duas vezes ruim por um que é uma vez só", diz a nutricionista Camila Gracia, do Setor de Nutrição Preventiva do HCor.
A Folha procurou a Abia (Associação Brasileira da Indústria Alimentícia) para comentar a pesquisa, mas não obteve resposta até o fechamento desta edição.
São Paulo, quinta-feira, 02 de julho de 2009
FOLHA DE S.PAULO saúde
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/saude/sd0207200901.htm
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