Não aguento mais! Tenho ouvido essa frase, em meio a lágrimas e apreensões, de quem cuida de alguém em tempo integral. Geralmente são mulheres - companheiras, noras ou filhas - que se esforçam para traduzir em ações sua vontade de zelar pelo bem-estar de um ente querido. Diante desse desabafo, cabe entender muito mais do que julgar. Essa é uma situação que envolve sentimentos apurados por décadas, nem sempre agradáveis. Afloram mágoas e culpas que podem tornar essa relação muito carregada. Como essa condição é muito frequente com o avançar da idade, em diferentes magnitudes, considero oportuno que todos reflitam sobre o tema, utilizando alguns conceitos como alicerce para esse repensar. Fomos cuidados por alguém desde o início de nossas vidas e, bem ou mal, foi o suficiente para que chegássemos até aqui. Nem todo o cuidar, portanto, precisa ser explícito ou carinhoso para que seja eficaz.
Ninguém cuida de ninguém se não estiver bem. Muitos acreditam na necessidade de dedicar-se inteiramente a essa atuação, de modo a inexistir espaço para outras atividades. Isso pode ser um erro fatal. Se o cuidador não preservar sua saúde e seu bem-estar, não apenas reduzirá a qualidade dos seus préstimos como poderá ter que interromper suas ações. Ao contrário, o cuidador tem que ser muito bem cuidado. Isso se tornou mais claro quando atentei para as recomendações que precedem a decolagem de uma aeronave. Enquanto as comissárias exemplificam com objetos, a gravação enfatiza que "em caso de descompressão, máscaras de oxigênio cairão à sua frente; coloque primeiro a sua antes de tentar ajudar quem estiver ao seu lado". Lembro o quanto me surpreendi com esse conselho, mas logo entendi a mensagem: como poderia ajudar alguém sem respirar adequadamente? Sem me cuidar antes, ambos poderiam ser prejudicados. O cuidar não pode ser solitário. Quem cuida sozinho, por opção, fica refém da sua decisão. Mesmo que com tarefas diferentes, de importância e intensidades diversas, os cuidados devem ser divididos entre todos os que puderem participar para que existam vários olhares atentos em busca da eficiência e múltiplas responsabilidades para dividir. Por fim, essa ação não pode nem deve ser entendida como um investimento. Ao realizá-la, não se adquire o direito de beneficiar-se dela no futuro. A troca ocorre no presente, quando o cuidador dá o melhor de si em prol do seu objetivo, e o "ser cuidado" retribui com a sua compreensão de que merece aquela atenção. O cuidar é, portanto, uma via de mão dupla. Ouso, neste sentido, parafrasear Paulo Freire, para quem a educação deve ser um ato recíproco e consensual, ressaltando que todos os cuidadores, inclusive os profissionais, devem buscar formas de aprimorar a sua saúde e bem-estar, aprendendo nas suas tarefas cotidianas qual a relação ideal entre o dever e o prazer de realizá-las.
[...] MESMO QUE COM TAREFAS DIFERENTES, DE IMPORTÂNCIA E INTENSIDADES DIVERSAS, OS CUIDADOS DEVEM SER DIVIDIDOS
WILSON JACOB FILHO, professor da Faculdade de Medicina da USP e diretor do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas (SP), é autor de "Atividade Física e Envelhecimento Saudável" (ed. Atheneu) wiljac@usp.br
São Paulo, quinta-feira, 07 de maio de 2009
FOLHA DE S.PAULO equilíbrio
16 de mai. de 2009
Cuidando do cuidador
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