Um estudo realizado pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) mostra que as propagandas de cerveja veiculadas na TV não respeitam várias determinações do código de auto-regulamentação da publicidade do Conar (Conselho Nacional de Auto-Regulamentação Publicitária).
As propagandas, de acordo com o estudo, têm apelo imperativo ao consumo, despertam a atenção de crianças e adolescentes, mostram pessoas que aparentam ter menos de 25 anos, exploram o erotismo, não são veiculadas apenas em programas de TV destinados ao público adulto e mostram a cerveja relacionada ao sucesso profissional, social ou sexual.
Das 16 regras do Conar avaliadas na pesquisa, 12 foram desrespeitadas.
"A auto-regulamentação não serve para absolutamente nada", diz a psicóloga Ilana Pinsky. Ela foi a orientadora do advogado Alan Vendrame em seu trabalho de mestrado no Departamento de Psiquiatria da Unifesp. A pesquisa foi financiada pela Fapesp (entidade do governo paulista que fomenta pesquisas científicas).
O estudo contou com a participação de 282 estudantes do ensino médio de escolas públicas de São Bernardo do Campo, no Grande ABC. Suas idades variavam de 14 a 17 anos -portanto, não podiam consumir bebida alcoólica.
Esses adolescentes assistiram a 33 propagandas de cerveja veiculadas na televisão durante a Copa do Mundo de 2006. Eles escolheram as cinco que, na opinião deles, foram as melhores.
Em seguida, os pesquisadores entregaram um questionário aos estudantes, com perguntas relacionando as propagandas às normas do Conar. Os adolescentes não sabiam qual era o propósito do estudo.
Os pesquisadores usaram as impressões dos jovens para concluir que as cervejarias não respeitam as normas de auto-regulamentação.
"Os jovens são maciçamente bombardeados por uma série de propagandas de cerveja na televisão, de manhã, à tarde e à noite. Diversos estudos mostram que a propaganda tem efeito na tomada da decisão do consumo", afirma Ilana Pinsky.
Na quarta-feira passada, o governo retirou a urgência de um projeto de lei em análise pela Câmara dos Deputados que proíbe a veiculação de anúncios de bebidas alcoólicas no rádio e na televisão das 6h às 21h.
O projeto perdeu a prioridade, segundo deputados, por causa da pressão dos fabricantes de cerveja, das agências de publicidade e das emissoras de rádio e televisão. Agora, sem o status de urgência, o texto pode levar anos para ser votado.
Dentro do governo federal, a aprovação era aguardada com ansiedade principalmente pelo Ministério da Saúde e pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
A decisão foi criticada por diversas entidades, como o Cremesp (Conselho Regional de Medicina de São Paulo) e o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). Um abaixo-assinado com cerca de 600 mil nomes foi levado ao Congresso pedindo que o projeto de lei fosse aprovado.
O Cremesp afirmou que, por causa do álcool, "famílias continuarão sendo dizimadas, a violência doméstica continuará sendo freqüente e o Brasil seguirá como o campeão em acidentes automobilísticos".
Outra preocupação é o fato de as pessoas começarem a beber cada vez mais jovens. A pesquisa da Unifesp apresentou outro questionário aos adolescentes. A idade média do primeiro consumo de bebida alcoólica, no caso dos 67% que já haviam bebido, foi de apenas 13,8 anos. No Brasil, a venda de álcool a menores de 18 anos é expressamente proibida.
Enquanto em diversos países do mundo a propaganda de bebidas alcoólicas é limitada por lei, em outros, como o Brasil, o mercado de publicidade é auto-regulado.
O Conar é uma ONG (organização não-governamental) formada por 180 conselheiros, entre profissionais de publicidade e representantes da sociedade civil, que tem por objetivo fazer valer o código de auto-regulamentação publicitária.
A pesquisa mostrou, no entanto, que regras como a que proíbe relacionar o álcool à direção foram respeitadas. (Repórter da Folha em São Paulo; publicado em 10/5)
Propaganda a ser limitada
É grande a força do lobby de cervejarias, TVs e agências de propaganda. Mais uma vez, conseguiu evitar que a publicidade de cervejas fosse equiparada à das demais bebidas alcoólicas e proibida das 6h às 21h.
O projeto de lei do Executivo restituindo um pouco de lógica à legislação que regula a propaganda de álcool estava pronto para ser votado. Mas um acordo entre parlamentares e governo conseguiu retirar a urgência da proposta, que agora fica sem prazo para ir a plenário. A julgar pelos precedentes, isso dificilmente ocorrerá antes dos Jogos Olímpicos de Pequim, em agosto, ou quem sabe da Copa de 2014.
Em termos de saúde pública e ciência, não há justificativa para tratar a publicidade de bebidas alcoólicas de qualquer gradação de forma diversa da do tabaco, que é vedada quase totalmente.
O álcool é uma droga psicoativa com elevado potencial para provocar dependência. Estudo da Organização Mundial da Saúde atribui ao abuso etílico 3,2% das mortes ocorridas no planeta (cerca de 1,8 milhão de óbitos anuais). Metade delas tem como causa doenças, e a outra metade, ferimentos. No Brasil, dados da Secretaria Nacional Antidrogas (2005) apontam que 12,3% da população entre 12 e 65 anos pode ser considerada dependente.
Não se trata de proibir o consumo de álcool, mas esses números deixam claro, por outro lado, que ninguém deveria ser estimulado a beber. A propaganda é uma atividade legítima para a esmagadora maioria dos produtos e serviços existentes. O caso das drogas lícitas é uma exceção. A Constituição Federal, em seu artigo 220, prevê restrições a esse tipo de publicidade.
Não faz, portanto, sentido a campanha que a Associação Brasileira de Agências de Publicidade mantém desde o final de abril afirmando que a restrição à publicidade de cervejas teria o mesmo efeito que proibir "a fabricação de abridores de garrafa".
Louvar as virtudes reais ou imaginadas de abridores de garrafa não costuma levar jovens a consumir quantidades crescentes de drogas psicotrópicas. Já a propaganda de cerveja o faz. (Editorial da Folha de S. Paulo em 11/5/08)
Infelizmente, no nosso país, ganha quem pode mais. Portanto, o povo perde sempre. Não dá para acreditar que indústrias de produtos tão nocivos à saúde como bebidas alcoólicas e fumo continue com tamanha força.
ResponderExcluirSerá que o fato destes produtos fazerem tão mal a tantas pessoas e famílias não é suficiente para este tipo de empresário pensar em outros empreendimentos.
Acho que não, né!
A própria conta bancária é o que realmente importa.
Pessoas? Famílias? Talvez nem saibam o que é isso!