O consumidor não "compensa" suas emissões de gás carbônico simplesmente caindo nos apelos de marketing das empresas "carbono-neutras"; e uma consciência mais leve não alivia as mudanças climáticasVárias empresas ou eventos têm prometido compensar suas emissões de gases de efeito estufa, causadores do aquecimento global, com projetos que incluem, por exemplo, o reflorestamento de alguma área. Isso porque as árvores, durante seu desenvolvimento e crescimento, "capturam" o gás carbônico (CO), grande vilão das mudanças climáticas. Só que o que ninguém diz é que essa captura leva várias décadas, e não é do dia para a noite que as toneladas de carbono emitidas por uma ou outra atividade serão "neutralizadas", como dizem.Os postos Ipiranga estão com uma campanha dessas. A promessa é de que, ao abastecer seu carro utilizando o cartão de crédito da rede, o consumidor neutralizará o gás carbônico gerado pela queima do combustível. Várias outras empresas aderiram à onda, como o portal de internet iG, os bancos Bradesco e ABN Amro, a Volkswagen Caminhões. "Também pode-se neutralizar qualquer evento, como concertos musicais e até casamentos", afirma Eduardo Peti, diretor da Max Ambiental, que desenvolve projetos nessa área. A São Paulo Fashion Week é um exemplo de grande evento que "neutralizou" suas emissões. O caso do Ipiranga é emblemático. Os combustíveis fósseis utilizados nos transportes são a maior causa do aumento do efeito estufa. Portanto, é contraditório e questionável que uma empresa que viva de contribuir para as mudanças climáticas ofereça a absolvição do pecado do consumidor que compra seu produto. Mas o fato é que a empresa não está sozinha, já que a Toyota, a Honda e a British Petroleum também aderiram à "neutralização", embora, por definição, promovam a poluição.A forma mais comum de neutralização no país, dentro do chamado mercado voluntário, é o reflorestamento. Mas para que realmente surta algum efeito, são necessários 30 anos, em média, para o desenvolvimento da vegetação típica de Mata Atlântica, por exemplo. Portanto, é fundamental que haja o acompanhamento da vegetação cultivada. Segundo cálculos da Max Ambiental, para cada tonelada de carbono emitida é necessário plantar cinco árvores.Em suma, é recomendável que o consumidor seja mais atento e crítico, e de fato reduza suas emissões, mais do que se preocupar em compensá-las. Como? Locomovendo-se menos de carro, trabalhando e estudando próximo de casa (quando possível), consumindo menos embalagens e menos produtos supérfluos. Mesmo assim, é extremamente positivo que tanta gente, e tantas empresas, tenham passado a dar mais atenção para as emissões de gases do efeito estufa. "A neutralização de carbono é possível", afirma Luís Henrique Piva, coordenador da campanha de Clima da organização ambiental Greenpeace."Só é preciso tomar cuidado com o que está aparecendo por aí. Não se pode vender algo dessa forma, como se estivesse vendendo um pedacinho do céu," diz. O pior é que tem muito consumidor que acaba comprando a idéia, por acreditar que está automaticamente contribuindo para reduzir as emissões e, por isso, garantindo seu lugar no paraíso.
Modalidades de neutralização
Atualmente, existem dois caminhos para se promover a chamada neutralização de carbono. Um é pelo mercado oficial, e o outro pelo voluntário. O primeiro é chamado de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e está baseado nos termos do Protocolo de Kyoto, que possui regras mais rígidas. Já os projetos do mercado voluntário não seguem critérios comuns, e os créditos de carbono provenientes deles são mais baratos do que os do mercado oficial.O mercado voluntário também precisaria avançar em outros aspectos, além da definição de critérios mais unificados. Na opinião de Eduardo Peti, uma empresa só teria de "neutralizar" práticas que, segundo ele, estão sob seu controle. "Já as embalagens e o transporte dos produtos não são de sua responsabilidade", diz. Mas, para o Idec, os fabricantes ou fornecedores sempre têm de se preocupar com toda a cadeia de produção, distribuição e descarte de seus produtos.O projeto Florestas do Futuro, da Fundação SOS Mata Atlântica, não é estritamente de neutralização de carbono, mas acabou se integrando ao mercado. Há três anos refloresta áreas de mata ciliar (que crescem na margem dos rios) em propriedades que possuem nascentes e rios ameaçados. São utilizadas mudas de árvores nativas, como o Pau-Brasil, o Ipê e o Jequitibá. A finalidade da proposta é preservar a biodiversidade e os recursos hídricos, além de neutralizar o carbono. "Captamos recursos com empresas, que escolhem uma das bacias hidrográficas para o plantio", afirma Adauto Basílio, coordenador do projeto da SOS Mata Atlântica. "Após cinco anos, uma auditoria emite um laudo que garante o número de árvores plantadas e suas condições." Segundo ele, os inventários de neutralização são realizados por consultorias contratadas pelas empresas que patrocinam o Florestas do Futuro.
Como neutralizar
O MDL (isto é, o mercado oficial) permite que países em desenvolvimento criem projetos "limpos", que sejam capazes de neutralizar carbono e que resultem nas denominadas unidades de Redução Certificada de Emissão (RCE) - ou seja, em créditos de carbono. Cada RCE equivale a uma tonelada de CO2 que deixa de ser emitida. Empresas dos países desenvolvidos, obrigados a reduzir suas emissões, podem comprar os créditos de países em desenvolvimento. Os créditos de carbono, no entanto, não podem ser vistos como uma autorização para as empresas continuarem poluindo.Até o final de agosto, 162 projetos brasileiros de MDL haviam sido aprovados pela Organização das Nações Unidas (ONU), segundo o Ministério de Ciência e Tecnologia, que preside a comissão responsável por aprová-los no Brasil. Dados da Convenção de Mudanças Climáticas da ONU apontam que o Brasil está em quarto lugar na realização de projetos de MDL. A Índia, a China e a Coréia do Sul estão em primeiro, segundo e terceiro lugar, respectivamente.Nesse mercado, os principais projetos estão em aterros sanitários, com a captura do gás metano produzido pelo lixo, para sua transformação em energia elétrica; em medidas de eficiência energética, que levam à economia de eletricidade; em projetos de energias renováveis, como a eólica; assim como na captura do metano da suinocultura, entre outros. O reflorestamento, comum no mercado voluntário, ainda não ocorre no MDL. Não existe nenhum projeto desse tipo aprovado pelos órgãos responsáveis.Tem sido discutida por cientistas, empresas e governos de países em desenvolvimento com grandes áreas de floresta, a possibilidade de compensar as nações que protegem suas reservas florestais. A proteção geraria outro tipo de crédito de carbono, chamado de Redução de Emissões por Desmatamento (RED). "O desmatamento evitado é algo ainda muito questionável. É difícil comprovar que uma determinada floresta seria desmatada e isso foi evitado por alguma empresa, por exemplo. Mas é possível a criação de reservas de proteção permanentes, que podem passar a valer como estoque de carbono", observou Eduardo Peti, diretor da Max Ambiental.Em setembro, foi realizado o primeiro leilão de créditos de carbono no Brasil, no mercado financeiro. O banco belgo-holandês Fortis pagou 16,20 euros por cada tonelada de carbono e arrematou, por R$ 34 milhões, mais de 808 mil toneladas de créditos na Bolsa de Mercadorias e Futuro (BM&F), em São Paulo (SP).Os créditos em questão foram gerados pelo Aterro Sanitário Bandeirantes, da Prefeitura de São Paulo. Embora o aterro não receba mais dejetos desde março deste ano, a matéria orgânica lá enterrada continuará a emitir gás metano por muito tempo. Desde 2004, a Prefeitura de São Paulo, em conjunto com a Biogás Energia Ambiental, passou a captar, queimar e aproveitar o metano na produção de energia.
Carbono internacional
Foi na década de 1980, com o surgimento dos primeiros alertas sobre o aquecimento do planeta, que o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e a Organização Meteorológica Mundial criaram o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). Desde então, o IPCC vem realizando estudos com a finalidade de compreender as causas e os efeitos do aquecimento, assim como propor medidas para suavizá-los. A partir desses estudos, foi criada a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas, assinada por aproximadamente 175 países, durante a Eco 92, reunião realizada na cidade do Rio de Janeiro.Cinco anos depois, surgiu o Protocolo de Kyoto, um tratado internacional visando a redução dos gases de efeito estufa. Mas o documento só entrou em vigor em 2005, quando o número mínimo de 55 países aderiu ao acordo, que propõe metas de redução de emissão para os países desenvolvidos. Porém, o país que mais gera gases de efeito estufa, os Estados Unidos, ainda não assinou o acordo. O próximo encontro dos países membros da convenção do clima ocorrerá em dezembro, na Indonésia.No Brasil, o documento foi ratificado em 19 de junho de 2002. Aqui, o governo brasileiro afirma ter reduzido o ritmo de desmatamento em 50%, entre 2004 e 2006. Diz também que lançará em breve o Plano Nacional de Combate às Mudanças Climáticas. No entanto, nunca aceitou metas de redução de emissões para os países em desenvolvimento e batalha pela aprovação de um fundo internacional que remunere a preservação de suas florestas.Além disso, quer metas mais severas para os ricos. "As metas de redução dos países desenvolvidos são pequenas, apesar de não ser tarefa fácil cumpri-las. O Brasil espera que elas sejam maiores, para que haja mais incentivo para novos projetos nos países pobres", afirmou Newton Paciornik, assessor da Coordenação de Mudança Global do Clima, do Ministério de Ciência e Tecnologia.Entidades ambientalistas também acusam o governo brasileiro de não agir de acordo com seu discurso de redução do desmatamento, ao implementar o Plano de Aceleração de Crescimento (PAC). Ele incentiva as monoculturas de cana e de soja, que avançam em direção à Amazônia, além de não contemplar programas de energias alternativas, e de promover a energia nuclear. Isso para não falar no impacto que causará a construção de rodovias como a Manaus-Porto Velho (BR-319), ampliando o chamado "arco do desmatamento".
Gases de efeito estufa
O gás carbônico ou dióxido de carbono (CO2) é o principal gás de efeito estufa gerado pelo homem no mundo. Além da queima do petróleo ou de qualquer outro combustível fóssil, como o carvão, a emissão do CO2 também resulta das queimadas e do desmatamento. A destruição das florestas brasileiras é, inclusive, a razão pela qual o Brasil está em quarto lugar na lista dos maiores emissores do mundo. Depois dele, vêm: o metano (CH4), gerado pelo lixo, a agricultura e a pecuária; o óxido nítrico (N2O), gerado pela indústria; o hidrofluorcarbono (HFC) e o polifluorcarbono (PFC), utilizados na fabricação de aerossóis, refrigeradores e aparelhos de ar-condicionado; e o hexafluoreto (SF6), usado na produção de equipamentos eletrônicos. O HFC e o PFC viraram substitutos do clorofluorcarbono (CFC), que destrói a camada de ozônio, a partir da determinação do Protocolo de Montreal (veja mais em "Sucesso mundial", na seção Em Foco).O efeito estufa é um fenômeno natural que ajuda a aquecer o planeta, mas que vem sendo intensificado por conta da industrialização, desde a primeira Revolução Industrial (século 19). Se ele não existisse, a temperatura da Terra seria de -19ºC. Outro fenômeno natural é a absorção desses gases pela natureza. As plantas, principalmente as árvores, têm um papel importante nisso tudo: quebrar as moléculas de gás carbônico, liberar oxigênio e guardar o carbono, por meio do processo da fotossíntese. Mas o CO2 retorna para o ambiente via processos biológicos, como a respiração e a decomposição da matéria morta. Grande parte do tronco de uma árvore é composta de carbono.O problema é que os gases estão se acumulando e, apesar de eles permitirem a entrada da luz solar, impedem cada vez mais que o calor saia. Numa comparação simples, é como se a Terra fosse um carro exposto ao sol, com os vidros sempre fechados. O calor fica todo lá dentro. Alguns estudos demonstram que, nos últimos 160 anos, a temperatura média do planeta aumentou 0,5ºC. Em fevereiro, o Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), órgão ligado à Organização das Nações Unidas (ONU), estimou uma elevação de temperatura entre 1,8ºC e 4ºC até o ano 2100. O aquecimento global também poderá implicar, entre outras conseqüências, a elevação do nível do mar entre 18 cm e 58 cm.Saiba mais:
Especial "Mudanças climáticas e Consumo"
Site de notícias ambientais O Eco: http://www.oeco.com.br/
Projeto Florestas do Futuro, da Fundação SOS Mata Atlântica: http://www.florestasdofuturo.org.br/
Mais informações sobre as mudanças climáticas no site do Greenpeace http://www.greenpeace.org.br/
CRÉDITO DA MATÉRIA = IDEC = http://www.idec.org.br/rev_idec_texto_impressa.asp?pagina=1&ordem=1&id=725
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