O trabalho integra a Pesquisa
Nacional sobre Crack, realizada pelo Instituto de Comunicação e
Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), e coordenada pelo
pesquisador do Icict, Francisco Inácio Bastos. O objetivo da tese de Neilane,
concluída em abril de 2014, foi estimar o tamanho da população de usuários de
crack e/ou similares nas 26 capitais e Distrito Federal por meio de duas
metodologias estatísticas distintas, a metodologia direta e a indireta. Confira,
abaixo, a entrevista concedida pela pesquisadora ao Informe ENSP.
Informe ENSP: Qual o objetivo do seu trabalho e
como ele foi desenvolvido?
Neilane
Bertoni: A minha tese de doutorado teve como objetivo estimar o tamanho da
população de usuários de crack e/ou similares, que são cocaínas fumadas
(pasta-base, merla e óxi), nas 26 capitais federais e Distrito Federal
utilizando duas metodologias estatísticas distintas, a metodologia direta e a
indireta. A coleta de dados foi realizada em 2012, com aproximadamente 25 mil
pessoas, residentes nas capitais do país. Essas pessoas foram visitadas em seus
domicílios e responderam a questões sobre suas redes sociais (de uma forma geral
e com um foco em usuários de crack e outras drogas).
Informe ENSP: Quais os principais dados revelados
na sua pesquisa?
Neilane: A pesquisa foi feita no ano de 2012.
Portanto, estimamos que o número de usuários regulares de crack e/ou similares
nas 26 capitais do país mais o distrito federal naquele período era de 370 mil
pessoas, o que corresponde a 0,81% da população destes locais. E ao contrário da
percepção do senso comum, as estimativas de proporção desses usuário não se
mostraram mais elevadas na região Sudeste.
Outra questão é que usuários de crack e/ou similares
correspondem a 35% dos consumidores de drogas ilícitas (com exceção da maconha)
nas capitais do país, o que soma cerca de 1 milhão de pessoas.
Um dado interessante foi encontrado nas capitais da
região Norte. Nelas, o crack e/ou similares têm uma participação amplamente
minoritária no conjunto de substâncias consumidas (cerca de 20%). No entanto,
nas regiões Sul e Centro-Oeste ele é bastante expressivo, correspondendo a 52% e
47%, respectivamente, de todas as drogas ilícitas (que não a maconha) consumidas
nas capitais dessas macrorregiões.
O estudo também avaliou o quantitativo de usuários de
crack e/ou similares menores de idade. Conforme revelou a pesquisa, 14,8% dos
usuários são menores de idade, o que representa, aproximadamente 50 mil crianças
e adolescentes que fazem uso dessas substâncias nas capitais do país.
Conforme explicado anteriormente, mediante a
utilização do método NSUM, estimou-se que 0,81% da população residente nas
capitais do país fazem uso regular de crack e/ou similares. Porém, utilizando-se
da metodologia tradicionalmente utilizada em inquéritos domiciliares (direta), a
estimativa gerada foi de 0,15%. Sendo assim, a estimativa de usuários de crack
e/ou similares nas capitais do país gerada pela metodologia tradicional
subestima o número de usuários obtido pelo método NSUM. Se considerarmos que
estimamos cerca de 370 mil usuários de crack e/ou similares com a metodologia
indireta, e aproximadamente 50 mil com a metodologia tradicional, percebemos que
o número de usuários obtido pela metodologia direta é seis vezes menor do que a
obtida pelo NSUM.
Informe ENSP: Por que os usuários de maconha foram
excluídos das análises de drogas ilícitas?
Neilane:A exclusão da maconha das estimativas
se deve a alguns fatos. A primeira questão se refere ao fato de a maconha não
integrar os critérios de consumidores de drogas de alto risco (Codar) definidos
pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/OMS). Isso porque o seu consumo
tem pequena ou nenhuma associação com a aquisição de infecções de transmissão
sexual e/ou sanguínea. A partir disso, para mantermos a comparabilidade com
estudos internacionais, seguimos os mesmos critérios da Opas/OMS.
Em segundo lugar, por ser uma droga cujo consumo é
mais prevalente que o das demais drogas ilícitas, na imensa maioria dos países,
inclusive no Brasil, sua estimação não se coaduna aos pressupostos do método,
que se torna impreciso na estimação de populações de difícil acesso que não
podem ser definidas como relativamente raras (prevalência inferior a 4% da
população geral, ou seja, a grosso modo, equivalentes às populações de maior
magnitude para as quais o método tem sido aplicado com sucesso, como os homens
que fazem sexo com homens, por exemplo).
Informe ENSP: Estes são dados inéditos no país.
Você acredita que o governo pode utilizá-los para subsidiar políticas e
ações?
Neilane: Este estudo nos traz uma dimensão do
atual problema do consumo de crack e/ou similares nas capitais do país, e pode
ser visto como uma linha de base para pesquisas futuras com a utilização de
mesma metodologia, com o propósito de gerar séries históricas consistentes e
confiáveis. Com ele, nós não propomos diretamente intervenções ou ações. A ideia
foi coletar evidências científicas de qualidade que poderão ser utilizadas pelos
tomadores de decisões.
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