O controle da hepatite C demanda não só uma rede de serviços ampla e qualificada, mas também informação. Pesquisa do Datafolha encomendada pela Sociedade Brasileira de Hepatologia em 2011 mostra, porém, que a doença é pouco conhecida pelos brasileiros, o que afeta a busca pelos serviços — do diagnóstico ao tratamento. Menos da metade (ou 49%) dos 1.137 entrevistados em 11 cidades declararam espontaneamente ter algum conhecimento sobre a hepatite C, “mesmo que de ouvir falar” — a hepatite B era a mais conhecida, com 57%; a A teve índice de 46%; a D, de 3%; e a E, de 1%.
E mais: apenas 1% desses entrevistados considerou a doença grave. Quando estimulados, com pergunta que fazia referência especificamente à hepatite C, 70% disseram saber algo sobre a doença — logo, 30% nem sequer ouviram falar de sua ocorrência. Outros dados da pesquisa indicam que, mesmo entre os que responderam conhecer a hepatite C, a desinformação é grande: poucos conseguiram indicar sintomas, diagnóstico e tratamento.
Do total, 42% souberam indicar alguma forma de contágio — transfusão de sangue (22%), relação sexual (21%), seringa não descartável (8%), drogas injetáveis com seringa compartilhada (7%), instrumento de manicure não esterilizado (8%) e instrumento de tatuagem ou piercing não esterilizado (3%). Quanto aos sintomas, 34% apontaram pelo menos um — 36% não apontaram nenhum. Mais da metade dos entrevistados pela pesquisa, 51%, sabiam que existe tratamento para a doença, mas poucos foram capazes de especificá-lo: 14% citaram, de forma genérica, tratamento por meio de medicamentos.
Alta prevalência e desinformação
A própria pesquisa identifica uma base concreta para a falta de conhecimento: 72% dos entrevistados disseram não ter visto notícias sobre hepatite C nos últimos seis meses e 85%, não ter visto campanha sobre a doença no mesmo período. “Nossa constatação é que as pessoas são bastante desinformadas em relação à hepatite C, embora esta seja uma doença com prevalência muito alta”, comenta a vice-presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia, Maria Lúcia Ferraz.
Entre as razões do desconhecimento, ela cita o fato de a doença ser de progressão lenta e assintomática e também de não haver por parte do governo grandes esforços no sentido de divulgá-la.
Em 2011, o Ministério da Saúde lançou campanha sobre as hepatites B e C, com cartazes, fôlderes, folhetos, vídeos, spot de rádio e banner. O mote era “Hepatite B e C são doenças silenciosas”. Os cartazes, um total de seis, voltavam-se a cada um dos grupos mais atingidos pela doença no Brasil. Às mulheres que pintam as unhas com manicure, por exemplo, a recomendação era “Só use materiais descartáveis ou esterilizados. Tenha seu próprio kit de manicure”. Os demais falavam aos profissionais de saúde, às pessoas que se tatuam ou põem piercing e a grávidas. Outro, mais geral, incentivava a busca pelos exames capazes de diagnosticar a doença.
Qualificação profissional
“Nossa estratégia de prevenção é fortemente baseada na abordagem de tatuadores e manicures, o que não fazemos com o HIV, que tem o contato sexual como principal via de transmissão”, explica o coordenador da área de Cuidado e Qualidade de Vida do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, Ronaldo Hallal. “A intenção das campanhas é informar sobre a hepatite C, alertar para os seus riscos e motivar as pessoas a buscarem o diagnóstico, sem causar temores excessivos e mostrando que pode ser tratada e curada”.
Se entre a população o conhecimento sobre a doença é frágil, entre os médicos também há desinformação. “A hepatite entrou no currículo de Medicina há no máximo oito anos, e a maioria dos médicos atuando hoje se formou há mais tempo”, diz o fundador do Grupo Otimismo de Apoio a Portadores de Hepatite C, Carlos Varaldo. Sem conhecer a doença, muitos não solicitam os exames necessários ou não conseguem indicar a um paciente o tratamento adequado, empurrando os infectados para os hospitais de referência das capitais.
O pesquisador do Icict/Fiocruz Francisco Inácio Bastos lembra que há um esforço do ministério para qualificar profissionais de saúde em hepatites: “Tem se tentado remediar a má formação do profissional com a chamada educação continuada, que é uma iniciativa importante, mas essa situação só se resolve começando pelo jovem que está faculdade”.
O número de hepatologistas, os especialistas com mais experiência em hepatites, ainda é insuficiente no Brasil, segundo Maria Lúcia Ferraz. Ela avalia que “existe de fato uma carência de especialistas em doenças do fígado, mas há um esforço de formar mais profissionais para suprir a demanda”.
Na opinião de Bastos, a hepatite C é “um patinho feio, do qual ninguém gosta de falar”. “Tudo que lida com estigma e negação só faz prejudicar, não permite mobilização, daí a importância do papel dos meios de comunicação e das redes sociais de disseminar informação que promova a saúde pública”.
Responsável pela comunicação do Programa Nacional de Hepatites Virais (PNHV), antes da sua incorporação pelo Departamento de Aids do Ministério da Saúde, o jornalista Liandro Lindner considera que a falta de sintomas é a característica que mais dificulta o combate das hepatites. “Um paciente pode levar anos com a doença sem que tenha qualquer manifestação; quando finalmente descobre, pode ser tarde demais”. Ele defendeu que a principal estratégia de comunicação para enfrentar a doença é o diagnóstico precoce. “Quanto mais pessoas forem testadas, principalmente aquelas que apresentam o perfil da maioria dos atingidos, mais teremos um quadro próximo da realidade”, afirma.
Liandro diz ainda que a diversidade das formas de hepatites virais, com características peculiares, exige estratégias de comunicação direcionadas para diferentes públicos. “O risco de construção de material preventivo tradicional, cheio de informações e poluído de imagens, pode não resultar no objetivo proposto”. Mesmo que algumas das vias de transmissão sejam parecidas ou que as estratégias básicas de prevenção tenham semelhança, o direcionamento é o melhor caminho, defendeu o jornalista.
Extraído da RADIS Comunicação e Saúde - Nº 116 - Abril de 2012
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