Cristina Nabuco
Elas se conheceram aos 12 anos na escola. Maria Inês Piffer, divertida e irreverente, era da turma do fundão; Enaége Da lan Sant'Ana, quieta e comportada, sentava-se na primeira fileira. Em comum, tinham boas notas e nenhuma simpatia uma pela outra. Um dia começaram a conversar, e a antipatia deu lugar à curiosidade e à admiração. Tornaram-se grandes amigas. "Não tenho nenhuma lembrança boa ou ruim desses últimos 35 anos em que a Inês não estivesse ao meu lado", conta a funcionária pública Enaége, 46 anos. "Ela estava presente quando entrei na faculdade, na minha formatura, ao visitar Paris, no falecimento do meu pai e quando minha mãe teve câncer. Estávamos juntas também nas grandes conquistas dela e nas horas mais tristes, inclusive na pior, quando ela perdeu o Luís, o grande amor de sua vida." As duas dividiram o primeiro apartamento, tiveram em sociedade um estúdio de fotografia e hoje trabalham na mesma repartição. Há poucos anos compraram duas casas vizinhas. Derrubaram o muro para compartilhar os quintais e criar juntos os cães da raça dachshund Romeu e Julieta. "Como definem alguns de nossos amigos, é um casamento sem sexo. Prefiro dizer que é uma união de almas", afirma Enaége.
Esse sentimento de afeição e simpatia, a amizade, faz bem, e não só porque oferece conforto emocional. Crescem as evidências de que tem um impacto positivo
direto na saúde, sobretudo entre as mulheres. Um dos maiores trabalhos sobre doenças crônicas no sexo feminino, o Estudo das Enfermeiras da Escola de Medicina da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos (Nurses' Health Study), mostrou que, quanto mais amigos a mulher tem, menores as chances de ficar doente à medida que envelhece. Tanto que a falta de amigos íntimos ou confidentes foi comparada ao hábito de fumar e à obesidade como fator de risco grave à saúde feminina. De onde vem tal benefício? Um e-mail que circula pela internet diz que as amizades femininas são especiais
graças a uma substância denominada oxitocina e atribui esse achado a um estudo da Universidade da Califórnia. A pesquisa de fato existe. Foi realizada pelas psicólogas Laura Cousin Klein e Shelley Taylor e trouxe conclusões surpreendentes. A primeira: as mulheres não reagem ao stress disparando a clássica reação de fuga ou luta, como fazem os homens. Quando eles se sentem ameaçados, o cérebro masculino prepara o organismo para correr ou enfrentar o perigo. Por muito tempo, inferiu-se que o sexo feminino
reagia do mesmo modo. Mas as cientistas notaram que as mulheres têm um repertório mais amplo. "Ativam uma cascata de substâncias químicas que as leva a se solidarizar e a buscar uma solução pacífica, enquanto os homens se preparam para uma guerra", explica o psiquiatra Cyro Masci, de São Paulo, membro da Academia Americana de Stress Traumático.
A responsável por essa reação é a oxitocina, hormônio secretado no hipotálamo em níveis muito superiores nas mulheres. Por provocar as contrações do útero
no trabalho de parto, esse hormônio é administrado às gestantes para induzir o nascimento do bebê. Também durante a sucção do mamilo pela criança ocorre uma descarga de oxitocina, que estimula a produção de leite e mobiliza sentimentos agradáveis, contribuindo
para criar o vínculo entre mãe e filho. Eis porque ela foi chamada de "hormônio do amor" pelo obstetra francês Michel Odent, precursor do parto na água.
Diversos estudos sugerem que essa substância tem papel significativo na formação de laços sociais. Num trabalho publicado na revista científica NATURE, uma equipe da Universidade de Zurique, na Suíça, demonstrou que a presença da oxitocina incentiva a confiança em amigos, amantes ou parceiros de negócios. Ao que tudo indica, as mulheres são as maiores beneficiadas. Quando esse hormônio é liberado como parte da resposta feminina ao stress, encoraja a proteger as crianças e a procurar a companhia de outras mulheres. "Quanto mais se cultivam as amizades, mais oxitocina é liberada, o que produz um efeito calmante, intensificado pela presença do estrogênio - diferentemente do que ocorre com os homens, já que a testosterona diminui a força da oxitocina", explica Laura Klein, uma das autoras do estudo.
Coincidência ou não, uma pesquisa britânica com 10 mil voluntários divulgada em março deste ano encontrou diferenças na forma como os sexos se relacionam com os amigos. "As mulheres priorizam a convivência, enquanto os homens valorizam os ganhos auferidos", diz o coordenador da pesquisa, o sociólogo Gindo Tampubolon, da Universidade de Manchester, na Inglaterra.
Só o fato de acalmar o stress já seria um ganho e tanto. Afinal, ele é considerado a epidemia do século. Calcula-se que atinja 70% dos brasileiros, elevando o risco de doenças cardiovasculares e osteomusculares, entre outras, e provocando queda na imunidade, o que aumenta a propensão aos distúrbios infecciosos e até ao câncer. "Cultivar vínculos de amizade é uma estratégia para administrar o stress", diz o psiquiatra Eduardo Sá Oliveira, secretário da Associação Psiquiátrica de Brasília. A tese já era defendida pelo cardiologista americano Dean Ornish, no livro AMOR & SOBREVIVÊNCIA (ED. ROCCO), publicado no Brasil em 1999. Médico do ex-presidente Bill Clinton, ele reuniu estudos sobre o poder curativo da intimidade. "Se não existe alguém que realmente se importa com você, que o ama e em quem você pode confiar, seu risco de morte prematura e de doença é de três a cinco vezes maior", constata.
Psiquiatras da Universidade de Illinois encontraram outro indício de que a oxitocina é uma aliada da saúde feminina. Sue Carter e equipe observaram que ela previne os danos cardiovasculares associados à solidão. O estudo foi feito com fêmeas de arganazes-do-campo, camundongo comum no oeste americano, que forma uma família monogâmica para criar os filhotes. O isolamento as levou a produzir hormônios do stress, o que provocou elevação na pressão arterial e trouxe riscos para o coração. Doses diárias de oxitocina afastaram esse perigo.
"A amizade restaura o bem-estar, protege a saúde e prolonga a vida", reforça a psicóloga Shelley Taylor, da Universidade da Califórnia. A pedagoga Maria Aparecida Ferreira, 55 anos, está sempre em contato com as amigas de infância Sonia Terezinha Pires de Souza e Maria Auxiliadora Moura Pedersoli. As três são casadas, têm filhos e moram em cidades diferentes, mas nas férias costumam se encontrar na cidade onde nasceram e caminham juntas pela manhã. "São momentos preciosos de troca, desabafo e compaixão. O apoio delas foi fundamental em muitos mo mentos da minha vida", diz Maria Aparecida.
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