Procurador da República fala sobre judicialização da saúde, participação social e o papel do Ministério Público em questões sanitárias.
Quando analisa o avanço da participação social em relação ao Sistema Único de Saúde, o procurador da República, Humberto Jacques de Medeiros, do Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul, é preciso. Para ele, o Ministério Público deve ser um coadjuvante nesse processo de participação, cabendo ao cidadão o papel principal. O procurador esteve na FIOCRUZ BRASÍLIA para ministrar a aula magna do III Curso de Especialização em Direito Sanitário, coordenado pelo Programa de Direito Sanitário (Prodisa). Antes da aula, cujo tema foi “O papel do Ministério Público na garantia do Direito à Saúde”, Humberto Jacques concedeu a seguinte entrevista ao site da FIOCRUZ BRASÍLIA.
Estamos comemorando os 20 anos do SUS. Como o senhor avalia a relação entre o Ministério Público e a Saúde?
O Ministério Público (MP) começou a se aproximar do SUS no momento das grandes crises da Saúde, como a crise do financiamento em 1997. Foi nessa época, quando os sonhos de 88 começaram a enfrentar dificuldades, que a saúde passou a enxergar o Ministério Público como um aliado. Vejo essa participação de maneira gradativa, que começou a partir das conferências de saúde. Primeiro, começam a lembrar de nós do MP. Depois, a nos cobrar, depois a nos apoiar e aí, então, a nos ter como parceiros.
Em relação ao controle e a participação social, nestes últimos anos o senhor tem percebido um avanço? Como o Ministério Público tem contribuído para garantir essa participação?
A participação e o controle social são distintos. Uma é difusa e o outro, ordenado. A participação social difusa é todo mundo, todos os cidadãos exercitando a sua participação social e exigindo de qualquer um que tenha uma parcela de poder que exerça esse poder adequadamente. Já o controle social é ordenado. São instâncias, como os conselhos e as conferências de saúde, onde você, de forma responsável e representativa, pode controlar a execução das políticas de saúde pela autoridade sanitária.
Acredito que o MP tem contribuído, sim, para um avanço na participação social. Mas o MP tem que atuar como coadjuvante e não protagonista desse processo. Por isso, a contribuição do Ministério Público, nesse sentido da participação social, não pode ser tão forte. Caso contrário, podemos provocar uma acomodação no exercício da cidadania. E a inquietação do cidadão é necessária. Por outro lado, vejo que tem crescido a densidade da participação do MP. Temos mais procuradores, atuando em mais lugares e entendendo o direito à saúde e a dimensão do SUS.
Atualmente tem-se discutido muito a judicialização da saúde. Como o senhor vê essa questão? E as atuações do Judiciário e do MP em relação a esse tema?
O primeiro ponto dessa questão é que a Constituição diz que nenhuma lesão de direito pode escapar ao exame do Poder Judiciário. Assim, se não estivéssemos lesando o direito à saúde, essa questão não estaria sendo levada ao Judiciário. O segundo ponto, que gostaria de destacar, é que o acesso ao Judiciário não é maior que o acesso ao SUS. Eu não posso trocar a porta do SUS pela porta do Judiciário, porque a capacidade do Judiciário de resolver questões de saúde é menor que a do SUS.
A maneira de contornar isso é fazer com que as instâncias democráticas do controle social e de gestão administrem os conflitos para que somente uma parcela pequena destes chegue ao Judiciário. A justiça dará respostas inadequadas sempre que problemas inadequados forem levados ao Judiciário.
Isso ocorre com freqüência. As pessoas criticam algumas decisões do Judiciário, mas não percebem que, na maioria das vezes, o problema que se levou ao Judiciário era um problema não amadurecido, não enfrentado, e que poderia ter sido resolvido no âmbito da gestão. Aí, quando as pessoas não decidem esperando que o Judiciário o faça, estamos transferindo para o Judiciário o papel do gestor. O que se deve levar ao Judiciário é a revisão de uma decisão.
Mas o Judiciário não é o culpado desse processo. Se administração não consegue exercer o seu papel, isso acaba por lesar direitos, e o Judiciário irá corrigir da maneira que tem ao seu alcance. Então, a melhor maneira de tratar essa questão da judicialização da saúde é qualificar a prestação de saúde, aí, o Judiciário terá um espaço menor de intervenção.
O Ministério Público tem atuado para que, antes de se judicializar, se tente fazer com que a Administração do sistema dê uma resposta adequada. Então, antes de o Ministério Público levar o problema para o Judiciário, devolvemos o problema para o gestor, para o conselho de saúde, para que eles tentem resolver o problema dentro do sistema de saúde.
O senhor considera que os procuradores estão qualificados para lidar com o setor saúde?
Não podemos cair no mito da complexidade do entendimento do sistema de saúde e dizer que esse entendimento é para poucos e para sábios. O cidadão tem capacidade de agir, tem qualificação para agir dentro do sistema de saúde. E os procuradores podem, como um cidadão pode, como um juiz pode, examinar as questões de saúde. As armadilhas tecnocráticas não podem ser impedimento para os procuradores. Não se pode dizer que haverá erro em alguma ação do MP porque os procuradores não são qualificados o suficiente para entender a complexidade da saúde. Na verdade, essa suposta complexidade se presta para ocultar a real simplicidade dos problemas do sistema de saúde.
(crédito FIOCRUZ).
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