Magrinho, mas triste
Artigo chama atenção para os efeitos colaterais do mais novo remédio para emagrecer
O lançamento de um novo medicamento às vezes provoca grande interesse da população, gerando intensa procura e atraindo a atenção dos meios de comunicação de massa. As pessoas, em muitos casos, desconhecem possíveis efeitos colaterais, presentes em praticamente todos os fármacos. Isso parece ocorrer com o mais novo remédio para emagrecer, o rimonabant. Conhecer a lógica por trás dos efeitos colaterais desse composto, que age sobre os mesmos receptores cerebrais em que atua a maconha, pode ajudar a evitar conseqüências mais sérias.
Um questionamento sempre veio à tona desde que comecei a apresentar publicamente meus estudos em psicofarmacologia de canabinóides: “Como resultados em animais podem se traduzir em algo significativo para os seres humanos?” Nada mais apropriado. Além da desgastada justificativa de que modelos animais permitem compreender a estrutura e dinâmica biológica de um organismo vivo, o uso de animais de laboratório com a finalidade de desenvolver novos medicamentos me parece essencial.
Os canabinóides são um grupo de compostos químicos mais conhecidos por sua presença na maconha – nome popular da planta Cannabis sativa. Quando alguém fuma maconha, esses compostos ligam-se a receptores moleculares localizados na superfície dos neurônios (identificados pela sigla CB1), o que reduz a transmissão de sinais entre as células cerebrais e provoca diversos efeitos físicos e psíquicos, entre eles aumento do apetite. Esse efeito estimulou a busca de substâncias que atuassem de forma contrária, visando combater a obesidade.
O recente lançamento, no Brasil, do primeiro medicamento – o rimonabant (de nome comercial Acomplia) – capaz de bloquear os receptores CB1 levou-me a analisar os estudos clínicos que embasaram sua aprovação em mais de 20 países. O objetivo foi tentar traçar um paralelo entre os resultados que nosso grupo de pesquisa e outros, dentro e fora do Brasil, têm obtido em estudos pré-clínicos em animais de laboratório, de um lado, e os efeitos psicológicos/comportamentais relatados por pacientes que usam a substância, de outro. O composto, batizado com base no nome de um dos pesquisadores que o sintetizou (Rinaldi-Carmona), começou a ser vendido no Brasil cerca de 14 anos após a primeira descrição de seu mecanismo de ação (em 1994).
Rimonabant e canabinóides
A tentação é grande, mas, farmacologicamente falando, não é correto dizer que o rimonabant provoca efeitos opostos aos da maconha. Primeiro, porque a maconha é uma planta que, além do principal canabinóide psicoativo (delta-9-tetrahidrocanabinol, ou delta-9-THC), tem cerca de outros 60 compostos com ação canabinóide, sem falar de outras moléculas capazes de interferir em processos orgânicos.
Segundo, porque fármacos como o rimonabant bloqueiam os receptores canabinóides, impedindo a ação de substâncias produzidas pelo próprio organismo para, quando necessário, interagir com esses receptores. A grande diferença entre essas substâncias orgânicas (chamadas de endocanabinóides) e a maconha está em que as primeiras agem apenas ‘quando e onde’ sua presença é exigida, enquanto os efeitos da maconha ocorrem indiscriminadamente, no cérebro e em outros órgãos e tecidos.
Sabe-se hoje que o sistema endocanabinóide está envolvido em muitas funções do organismo, desde efeitos periféricos antiinflamatórios e de inibição da dor até efeitos cerebrais, como aumento do apetite e manutenção da homeostase cerebral (o ‘equilíbrio’ da atividade dos neurônios). Foi justamente a propriedade do rimonabant de inibir os mecanismos canabinóides de estimulação do apetite que atraiu cientistas do mundo todo interessados nesse grande filão do mercado farmacêutico.
Além disso, o rimonabant exibe uma grande vantagem em relação aos outros medicamentos usados para emagrecer, pois parece inibir também o armazenamento de gordura na região abdominal e contribuir para a produção do ‘bom colesterol’ (HDL), com potenciais benefícios para os sistemas cardiovascular e hormonal.
Como qualquer medicamento, porém, o rimonabant não está livre de produzir efeitos colaterais. Se os receptores em que age estão envolvidos em diversas funções fisiológicas, é de se imaginar que o bloqueio crônico dos mesmos tenha resultados indesejáveis. Pesquisadores envolvidos nos estudos clínicos do fármaco verificaram diversos sintomas, e entre eles os mais preocupantes foram aumentos na ansiedade e na depressão, muitas vezes acompanhados de irritabilidade e insônia.
É importante lembrar que foram excluídos do estudo pacientes com histórico prévio de ansiedade ou depressão, de modo que o surgimento desses sintomas provavelmente indica um efeito farmacológico do medicamento, gerando um estado psiquiátrico ‘de doença’ ao invés de um estado ‘de saúde’. Fato bastante preocupante foi a expressão, por alguns indivíduos, de idéias suicidas, embora isso tenha ocorrido com parcela pequena dos que tomaram o rimonabant cronicamente.
Fabrício Pamplona
Laboratório de Psicofarmacologia (doutorando),
Departamento de Farmacologia, Universidade Federal de Santa Catarina,
e Instituto Max Planck de Psiquiatria (Munique, Alemanha)
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http://cienciahoje.uol.com.br/125761
Crédito desta matéria Revista Ciência Hoje (on line).
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